Real Class: perplexidade e desespero. Foto: Sidney Oliveira |
Faz muito tempo que li em algum livro de biologia que a relação do homem com a natureza estabelece um sentido de mútua conformação durante o processo. Ou seja, à medida que o homem descobre novas necessidades e interfere na natureza para satisfazê-las, ela se adapta às necessidades humanas; os homens por sua vez se adaptam à natureza modificada, em um círculo vicioso que, como veremos, traz prejuízos enormes para as partes envolvidas.
Analisemos a relação dos seres com a natureza quanto ao modo de habitação. É bom esclarecermos que quando colocamos homem de um lado e natureza de outro, trata-se de uma divisão pedagógica, já que o homem é parte da natureza; infelizmente, ele representa o pólo ativo, enquanto os demais seres preenchem o pólo passivo na relação.
Numa escala maior, porque produziu muitos mais mortos, a tragédia do Rio de Janeiro revela os riscos altíssimos que os homens assumem ao desafiar a natureza para adapta-la às suas necessidades.
No caso específico da necessidade de se abrigar, os moradores que construíram suas habitações na serra fluminense, desde o século XVIII, não tinham como imaginar que, duzentos e poucos anos depois, o terreno de formação geológica instável das encostas, sujeito a erosões e deslizamentos, seria ocupado de forma desordenada, aumentando fabulosamente a instabilidade na área, e que uma chuva caudalosa iria fazer descer morros abaixo casas, mansões, favelas e corpos.
Em escala inferior, porém igualmente reveladora dos perigos que a vida humana corre ao ser desrespeitada a natureza, o desabamento do Real Class, na 03 de Maio, aqui em Belém, explicita a condição supérflua imposta à vida das pessoas pela volúpia dos mercados, curiosamente o mesmo em ambos os casos, o imobiliário.
Lá e cá, na serra ou na planície, aliada à ocupação desordenada executada por pessoas comuns sem qualquer conhecimento técnico dos perigos que uma construção irregular representa, o setor imobiliário expandiu o sonho de consumo de outra parcela da sociedade, formada por pessoas de alto poder aquisitivo, que podem comprar mansões e apartamentos high class.
Conforto, segurança, status, comodidade ou mero investimento, tornaram-se o fermento para o boom de novas construções no país inteiro, incluindo Belém. A construção de inúmeros condomínios nas áreas periféricas da cidade e de arranha-céus principalmente no centro de Belém, implica em fatores como: desmatamento, poluição de rios, ilhas de calor, alagamentos, em linhas gerais, e mortes, em particular.
O desabamento do Real Class deveu-se, segundo as primeiras ponderações, a uma possível fragilidade do terreno onde foi erguido, tendo em vista tratar-se de uma área bastante encharcada devido os inúmeros rios próximos que se tornaram canais ou foram simplesmente sedimentados para a construções de vias e prédios públicos. A outra possibilidade para o desastre é o uso de material de inferior qualidade para aumentar o lucro do investimento. Ou talvez as duas coisas juntas sejam a razão do afundamento do arranha-céu.
E se tivessem consultado a senhora Maria Raimunda Fonseca Santos, 67 anos, a respeito da construção, os donos da Real Engenharia talvez tivessem escutado um sonoro não à ideia. Ela viveu a vida inteira naquela casa na 03 de Maio, e morreu atingida por um pedaço de concreto, quando saiu para verificar que barulho horrível era aquele vindo do imenso e, suponho, indesejável vizinho de concreto.
Às vezes a natureza responde de forma violenta e estrondosa às agressões que sofre, e vitima pessoas que não tomaram parte na agressão. Homem-primata. Capitalismo selvagem!
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